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Um dos temas mais polêmicos no mercado de seguros são as limitações e até recusa de cobertura decorrentes das chamadas doenças preexistentes.

Em diversos seguros e planos de previdência, notadamente, os que agregam coberturas de morte, invalidez e acidentes pessoais, as doenças preexistentes são riscos excluídos. Nos seguros e planos de saúde, não há exclusão, mas são aplicadas carências que podem durar até 24 meses, durante os quais não estão cobertos os procedimentos mais complexos relacionados ao tratamento de tais doenças.

Frequentemente, as pessoas se dão conta dessas restrições nos momentos mais difíceis, quando um procedimento é negado ao segurado em risco de vida ou uma indenização por invalidez ou morte é negada ao segurado ou a seus beneficiários (familiares) que necessitam dela para seu sustento. O que só faz aumentar a dificuldade de entendimento por parte do público consumidor das cláusulas restritivas às doenças preexistentes nos contratos de seguros.

As doenças preexistentes segundo a lei

Conforme o art. 62 da Circular 302/2005 da Superintendência de Seguros Privados (Susep), se as condições contratuais do seguro “excluem doença preexistente das coberturas do seguro, esta deverá ser definida como doença de conhecimento do segurado e não declarada na proposta de contratação ou, no caso de contratação coletiva, na proposta de adesão”.

No caso dos seguros e planos de saúde, o art. 2° da Resolução Normativa 162/2007 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define doenças ou lesões preexistentes (DLP) como “aquelas que o beneficiário ou seu representante legal saiba ser portador ou sofredor, no momento da contratação ou adesão ao plano privado de assistência à saúde”.

Têm-se, assim, duas condições essenciais que caracterizam a doença preexistente para efeito legal, tanto no âmbito da Susep quanto da ANS: a) a existência pretérita, ou seja, a doença ou lesão já existia no momento de contratação do seguro e b) o conhecimento, isto é, o segurado sabia de sua existência naquele momento. Uma dúvida é a doença desconhecida do segurado, que se manifesta durante a vigência da apólice e que se pode, cientificamente, precisar que teve origem antes da contratação (exemplo, um tumor assintomático que se torna subitamente sintomático). Neste caso, há cobertura securitária, pois, de jure (embora não de fato), a doença não se caracteriza como preexistente, devido ao desconhecimento do segurado.

A isto se adiciona, no campo dos seguros regulados pela Susep, uma terceira condição: a não declaração da doença preexistente por parte do segurado quando da contratação do seguro ou plano de previdência. Temos aqui, basicamente, três possibilidades interessantes no caso de um segurado portador de tal doença: i) o segurado sabia ser portador, foi formalmente requisitado a informar e informou e ii) o segurado sabia ser portador, foi formalmente requisitado a informar e não informou e iii) o segurado não foi formalmente requisitado a informar e, desconhecedor do assunto, não se manifestou.

No primeiro caso, a seguradora decidirá se aceita ou não o risco (vende o seguro) e, se o fizer (certamente cobrando um preço mais caro pelo agravamento do risco), terá necessariamente de dar cobertura a sinistro relacionado com a doença declarada pelo segurado (pois, declarada, ela deixa de ser “preexistente” para efeito legal). No segundo caso, no processo de regulação de sinistro, se a seguradora constatar a preexistência da doença, a não revelação da mesma pelo segurado garante à seguradora, de pleno direito, negar a indenização.

O terceiro caso é mais complicado. O Código Civil impõe a segurados e seguradores a obrigação de “guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes” (art. 765).

Assim, havendo cláusula restritiva de cobertura de doença preexistente e não sendo requerido do segurado antes da contratação declaração formal nesse sentido, cabe à seguradora (no caso de venda direta), ao corretor (nos demais casos) e ao estipulante (nos seguros coletivos por adesão) o dever de informar claramente ao segurado a citada restrição, que constitui aspecto essencial do objeto, isto é, do contrato de seguro. O segurado decidirá, então, espontaneamente, se informará ou não a doença à seguradora, caindo-se nos num dos dois casos citados acima.

Se o segurado desconhece o tema, não é informado da restrição contratual de cobertura de doenças preexistentes e ocorre o sinistro, não cabe negativa de indenização por parte da seguradora, mormente por que o Código de Defesa do Consumidor consagra em seus dispositivos a hipossuficiência (deficiência relativa) informacional do segurado na relação com a seguradora e com os referidos intermediários – corretores e estipulantes (que discutirão depois entre eles quem foi o responsável pela desinformação do segurado e as ações mútuas de ressarcimento). Ocorre que nem sempre o entendimento das seguradoras é a aceitação da cobertura e o caso acaba sendo levado pelo segurado ou pelo seu beneficiário a exame dos órgãos reguladores e de defesa do consumidor ou do Judiciário.

A importância da informação

O que fazer? Nos seguros e planos individuais de saúde há, geralmente, exigência de preenchimento da chamada Declaração Pessoal de Saúde e Atividades (DPSA) no momento da contratação. O segurado precisará informar à seguradora via intermediário (corretor) e/ou estipulante idade, sexo, estado de saúde, hábitos de vida, doenças preexistentes e tratamentos anteriores, dentre outras características pessoais. Em algumas situações, as seguradoras podem solicitar, adicionalmente, exame médico para analisar melhor o risco a ser coberto.

A mesma exigência costuma ocorrer nos seguros de vida e acidentes pessoais e nos planos de previdência privada que agregam benefícios como pecúlio por morte ou invalidez, pensão por morte e renda por invalidez. Estes benefícios são chamados “coberturas de risco” que podem ser contratadas isoladamente ou em conjunto com as coberturas de sobrevivência típicas do plano de previdência.

A DPSA deve refletir a verdade, pois, de outro modo, o segurado pode perder o direito à indenização ou, pior ainda, a omissão da informação pode ser considerada fraude e acarretar a suspensão ou rescisão do contrato. As doenças preexistentes à contratação do seguro não informadas na DPSA têm restrição de cobertura: nos seguros de vida e de acidentes pessoais, são riscos excluídos, portanto, a indenização é negada; nos seguros e planos de saúde, estão sujeitas a períodos de carências que podem levar até 24 meses depois da contratação. Saiba que as companhias de seguros e as operadoras de saúde são cautelosas ao analisar os pedidos de indenização ou de cobertura de saúde e dispõe de meios de investigar os sinistros reportados.

Assim, o segurado deve agir honestamente e mencionar todas as doenças e lesões crônicas que lhe afligem e de que tenha conhecimento e, ao mesmo tempo, saber as carências, se houver, para cobertura dessas doenças. Esse é um cuidado fundamental e é melhor revelar a condição preexistente à seguradora do que enfrentar mais stress no momento da doença ou na reclamação do sinistro. Se o segurado tiver alguma dúvida no correto preenchimento da DPSA, deve procurar auxilio de seu corretor de seguros especializado no ramo ou entrar em contato com a seguradora/operadora que indicará tal especialista.

Há, entretanto, produtos no mercado que não exigem preenchimento da DPSA. São os casos, por exemplo, dos planos de saúde empresariais com mais de 30 participantes e de certos seguros massificados ou de curto prazo como o seguro viagem.

No caso dos planos de saúde com mais de 30 participantes, não há limitação de cobertura para doenças preexistentes, sendo que eventual aumento do custo (sinistralidade) por essa razão (pois, por exemplo, o plano agrega muitas pessoas idosas) é repassado ao grupo segurado na data de reajuste anual do contrato. No jargão do mercado, tais contratos não podem ter cláusula de “agravo” (acréscimo de preço) nem de “cobertura parcial temporária” (carência) para essas doenças. No caso dos seguros que não exigem preenchimento de declaração formal de saúde nem perfil de risco, o dever de informar ao segurado eventuais restrições de cobertura de doenças pré-existentes antes da contratação incumbe claramente à tríade seguradora-corretor-estipulante. Se não fazem, a indenização é devida em caso de sinistros decorrentes dessas doenças.

Seleção adversa

Um ponto importante para os segurados é entender a razão técnica da restrição das doenças preexistentes no mercado de seguros.

Para que um risco seja segurável a preços justos são necessárias algumas condições, entre elas, a baixa incidência de uma coisa chamada “seleção adversa”. A “seleção adversa” decorre da dificuldade das seguradoras diferenciarem o baixo risco do alto risco e, portanto, precificarem diferentemente ambos – mais barato para o primeiro e mais caro para o segundo – donde resulta que, se o preço é o mesmo, aquele risco é desestimulado em beneficio deste.

O caso (hipotético) mais simples é de uma população de fumantes e não fumantes e de uma seguradora que, por dificuldade em diferenciá-los, cobra preços idênticos de seguro saúde a ambos. É claro nesse caso que a demanda de seguro dos fumantes é incentivada e o contrário ocorre com a dos não fumantes. Gradualmente, é de se esperar a progressiva desistência dos não fumantes de comprar o seguro, ao perceberem estar pagando mais do que deveriam, e o aumento da procura dos fumantes, pela razão inversa. Ao fim e ao abo, a seguradora verificará que: a) a apólice se tornou invendável, pois seu preço teve de subir para refletir o fato de que apenas permaneceram na carteira os segurados de alto risco (fumantes), ou b) mantido o preço, está operando com prejuízo (sinistros maiores que os esperados) e, portanto, arrisca-se a fechar as portas.

Daí ser vital para a sobrevivência das seguradoras conhecerem bem o perfil dos seus segurados, em particular, as suas condições preexistentes, de modo a precificar corretamente os riscos que subscrevem.

A seleção adversa é combatida no mercado de seguros de três modos principalmente. Primeiro, no processo de subscrição, com a exigência de preenchimento de perfil de risco e declaração de saúde que inclui, entre outras características, a revelação de doenças e lesões preexistentes como, por exemplo, ser ou não portador de doença cardíaca, de doença degenerativa, de lesão física grave etc. Segundo, na lei, por meio da exigência de “máxima boa fé” das partes contratantes nas declarações que embasam o contrato, como fixado no art. 765 do Código Civil mencionado acima. E, terceiro, com a imposição de cláusula contratual restritiva de cobertura de reclamações de sinistros derivados de doenças preexistentes não declaradas previamente.

É isso que garante que a seleção adversa seja minimizada e que o seguro seja continuamente ofertado pelas seguradoras a preços justos, isto é, mais baratos para os riscos mais baixos e mais caros para os riscos mais altos.

Enfim, longe de ser um obstáculo ao desenvolvimento do mercado de seguros, a limitação de cobertura de doenças preexistentes, devidamente pesquisadas, informadas aos segurados e justamente precificadas, é requisito fundamental à continuidade, equilíbrio e crescimento do mercado.

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