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É bem conhecido o fato de que nem todos os riscos são seguráveis.

Nenhuma seguradora, por exemplo, fará seguro contra o risco de perda de valor de mercado de uma carteira de ações ou de um jogador perder dinheiro num cassino.

Mais precisamente, as condições necessárias para que um risco seja segurável são as seguintes:

  1. Grande número de riscos similares: quanto maior o número de segurados de uma mesma classe, maior a estabilidade de resultados de sinistros que uma seguradora pode esperar.
  2. Riscos independentes entre si: nenhuma seguradora formará uma carteira de seguro rural apenas numa região ou de seguro de incêndio de apartamentos somente num prédio.
  3. Experiência pregressa suficiente: deve conferir previsibilidade ao cálculo dos sinistros esperados e explica por que guerras e revoluções são geralmente riscos excluídos.
  4. Perda acidental: o evento de risco que dá origem à reclamação de indenização deve estar fora do controle do segurado. Daí por que a taxa de lucro de uma empresa geralmente não é segurável.
  5. Perda calculável: para cada risco, a seguradora deve poder calcular a probabilidade de sinistro e o valor em risco de modo que o custo de indenização seja passível de avaliação razoável e objetiva.

Essas condições nos vêm à mente ao observar os casos do incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro e, mais recentemente, da célebre e quase milenar catedral de Notre Dame de Paris.

O incêndio que atingiu o Museu Nacional destruiu boa parte do seu valioso acervo bem como do prédio histórico (antiga residência da Família Imperial). Foi noticiado que o acervo não estava segurado e o seguro da construção, apesar de obrigatório por lei, teria sido recusado com base nas inúmeras falhas de segurança conhecidas de longa data: ausência de portas corta-fogo, de extintores de incêndio ou sprinklers; hidrantes próximos sem pressão suficiente, fiação elétrica aparente, infestação por cupins, etc.

No caso de catedral de Notre Dame, o incêndio atingiu uma estrutura de 850 anos e plena de objetos de arte e relíquias de valores incalculáveis. A famosa torre da igreja e seu telhado entraram em colapso poucas horas depois do início do incêndio, mas entende-se que a maior parte do acervo artístico e religioso foi salva.

Conforme a agência Reuters, a seguradora francesa AXA informou dar cobertura para algumas dessas obras de arte, mas por um valor máximo de alguns milhões de euros, obviamente, abaixo do que seria um suposto valor de mercado. A AXA teria também um seguro de responsabilidade civil para as empresas que estavam trabalhando na restauração de igreja, mas com valores modestos de cobertura, certamente, insuficientes para cobrir o custo de restaurar a catedral.

Fato é que tanto num caso como no outro observa-se a dificuldade do mercado segurador de cobrir tais riscos de incêndio em prédios e monumentos históricos, mesmo quando há adequado gerenciamento de risco. A razão é a dificuldade de respeitar algumas das condições para a efetivação do seguro.

Como dito acima, o instituto do seguro opera por meio da distribuição de risco sobre um grande número de segurados com características semelhante e, obviamente, no caso de ativos únicos como prédios históricos, relíquias milenares e objetos de arte, não há como formar tal conjunto.

Tais monumentos e objetos são também difíceis de avaliar. No caso da edificação, a reconstrução não é trivial se, como se espera, objetivar a preservação do caráter original do prédio e não apenas substituí-lo de modo a garantir novamente seu uso. Pense-se, por exemplo, no custo de contratação de artesãos altamente qualificados e especializados que deverão ser mobilizados para restaurar como era antes do incêndio uma catedral de quase 1.000 anos!

No caso do acervo, a situação é ainda mais complicada, pois os valores são incalculáveis. Como dar preço, por exemplo, para o conjunto de objetos históricos e obras de arte do Louvre, do Museu Britânico ou do Museu do Vaticano? Sem ter como calcular os valores em risco, nenhuma seguradora pode oferecer cobertura de seguro.

É por isso que, nesses casos, sempre cabe ao Estado e subsidiariamente a indivíduos e empresas com patrimônios elevados, a responsabilidade de bem gerenciar e restaurar, no que puderem, tais monumentos e objetos em casos de sinistro.

Onde o mercado de seguros pode auxiliar decisivamente é no gerenciamento dos diversos riscos que afetam tais edificações e seus acervos. As seguradoras, antes de aceitar um seguro, tem como praxe buscar informações sobre o risco respectivo. Os seus subscritores devem entender as atividades, operações e caráter de cada candidato e avaliar a necessidade de informação e o custo para obtê-la. Num museu ou numa catedral, seria muito provável que um subscritor determinasse a investigação minuciosa dos riscos de incêndio, desabamento, etc e das medidas de prevenção que seriam adequadas tanto para proteção do prédio como do acervo. A inspeção de risco e a implementação de medidas corretivas seriam então essenciais para evitar sinistros como os que vitimaram, infelizmente, o Museu Nacional e a igreja de Notre Dame.

Leia mais:

https://www.insurancejournal.com/news/international/2019/04/25/524768.htm

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